terça-feira, 30 de junho de 2009

Confissão


Que esta minha paz e este meu amado silêncio
Não iludam a ninguém
Não é a paz de uma cidade bombardeada e deserta
Nem tão pouco a paz compulsória dos cemitérios
Acho-me relativamente feliz
Porque nada de exterior me acontece...
Mas
Em mim, na minha alma
Pressinto que vou ter um terramoto!
Mario Quintana

segunda-feira, 29 de junho de 2009

Mundos


Não desças os degraus do sonho para não despertar os monstros.
Não subas aos sotãos - onde os deuses por trás das suas máscaras, ocultam o próprio enigma. Não desças, não subas, fica. O mistério está é na tua vida! É um sonho louco este nosso mundo...

Mario Quintana

domingo, 28 de junho de 2009

Serenidade das coisas



É tão bom morrer de amor e continuar vivendo!


Mario Quintana

sábado, 27 de junho de 2009

Dos livros



"Os livros não mudam o Mundo, quem muda o Mundo são as pessoas. Os livros só mudam as pessoas!"

Não percas nunca, pelo vão saber,

A fonte viva da sabedoria.

Por mais que estudes, que te adiantaria,

Se o teu amigo tu não sabes ler?

Mario Quintana

sexta-feira, 26 de junho de 2009

Do amoroso esquecimento


Eu, agora - que desfecho!
Já nem penso mais em ti...
Mas será que nunca deixo
De lembrar que te esqueci?


Mario Quintana; Espelho mágico - Porto Alegre, Editora do Globo, 1951

quinta-feira, 25 de junho de 2009

Nos salões do sonho


Mas vocês não repararam, não?!
Nos salões do sonho nunca há espelhos...
Por quê?Será porque somos tão nós mesmos
Que dispensamos o vão testemunho dos reflexos?
Ou, então
- e aqui começa um arrepio
-Seremos acaso tão outros?
Tão outros mesmos que não suportaríamos a visão daquilo,
Daquela coisa que nos estivesse olhando fixamente do outro lado,
Se espelhos houvesse!
Ninguém pode saber... Só o diria
Mas nada diz,
Por motivos que só ele conhece,
O misterioso Cenarista dos Sonhos!


Mario Quintana; Velório sem defunto, 1990

terça-feira, 23 de junho de 2009

Nocturno


De noite todos os meus pensamentos são escuros
E todas as palavras têm a letra "u"
Rude
Virtude
Cruzes!
Até mesmo, Bandeira, teu "sapo-cururu da beira do rio"!
Não me digam que o melhor é acender todas as luzes!
Odeio a luz eléctrica e todas as luzes artificias.
A gente repousa na escuridão como num ventre maternal.
E o melhor enredo para isto tudo
É me atirar de súbito num açude
Seco!

Mario Quintana: Velório sem defunto, 1990

segunda-feira, 22 de junho de 2009

Memória


Em nossa vida ainda ardem aqueles velhos, aqueles antigos lampiões de esquina
Cuja luz não é bem a deste mundo...
Porque, na poesia, o tempo não existe!
Ou acontece tudo ao mesmo tempo...

Mario quintana: Velório sem defunto, 1990

domingo, 21 de junho de 2009

A verdadeira arte de viajar


A gente sempre deve sair à rua como quem foge de casa,
Como se estivessem abertos diante de nós todos os caminhos do mundo.
Não importa que os compromissos, as obrigações, estejam ali...
Chegamos de muito longe, de alma aberta e o coração cantando!


Mario Quintana: A cor do invisível 1989

sábado, 20 de junho de 2009

Amarelo


Se não fosse Van Gogh, o que seria do amarelo?


Mario Quintana

sexta-feira, 19 de junho de 2009

Irrealidades



Às vezes tudo se ilumina de uma intensa irrealidade
E é como se agora este pobre, este único, este efêmero instante do mundo
Estivesse pintado numa tela,
Sempre...

Mario Quintana

quinta-feira, 18 de junho de 2009

XXIII



Cidadezinha cheia de graça...
Tão pequenina que até causa dó!
Com seus burricos a pastar na praça...
Sua igrejinha de uma torre só...

Nuvens que venham, nuvens e asas,
Não param nunca nem um segundo...
E fica a torre, sobre as velhas casas,
Fica cismando como é vasto o mundo!...

Eu que de longe venho perdido,
Sem pouso fixo (a triste sina!)
Ah, quem me dera ter lá nascido!

Lá toda a vida poder morar!
Cidadezinha... Tão pequenina
Que toda cabe num só olhar...


(Mario Quintana; A Rua dos Cataventos, 1940)

quarta-feira, 17 de junho de 2009

Carta desesperada



Como é difícil, como é difícil, Beatriz, escrever uma carta...
Antes escrever os Lusíadas!
Com uma carta pode acontecer
Que qualquer mentira venha a ser verdade...
Olha! O melhor é te descrever, simplesmente,
A paisagem,
Descrever sem nenhuma imagem, nenhuma...
Cada coisa é ela própria a sua maravilhosa imagem!
Agora mesmo parou de chover.
Não passa ninguém. Apenas
Um gato
Atravessa a rua
Como nos tempos quase imemoriais
Do cinema silencioso...
Sabes, Beatriz? Eu vou morrer!


Mario Quintana






terça-feira, 16 de junho de 2009

Esperança


Lá bem no alto do décimo segundo andar do Ano
Vive uma louca chamada Esperança
E ela pensa que quando todas as sirenas
Todas as buzinas
Todos os reco-recos tocarem
Atira-se
E
— ó delicioso vôo!
Ela será encontrada miraculosamente incólume na calçada,
Outra vez criança...
E em torno dela indagará o povo:
— Como é teu nome, meninazinha de olhos verdes?
E ela lhes dirá
(É preciso dizer-lhes tudo de novo!)
Ela lhes dirá bem devagarinho, para que não esqueçam:
— O meu nome é ES-PE-RAN-ÇA...


(Mario Quintana: Texto extraído do livro "Nova Antologia Poética", Editora Globo - São Paulo, 1998, pág. 118. )

segunda-feira, 15 de junho de 2009

Os velhinhos


Como os velhinhos - quando uns bons velhinhos
São belos, apesar de tudo!
Decerto deve vir uma luz de dentro deles...
Que bem nos faz sua presença!
Cada um deles é o próprio avô
Daquele menininho que durante a vida inteira
Não conseguiu jamais morrer dentro de nós!

(Mario Quintana; Velório sem defunto, 1990)

domingo, 14 de junho de 2009

A rua dos Cataventos



Da vez primeira em que me assassinaram,
Perdi um jeito de sorrir que eu tinha.
Depois, a cada vez que me mataram,
Foram levando qualquer coisa minha.

Hoje, dos meus cadáveres eu sou
O mais desnudo, o que não tem mais nada.
Arde um toco de Vela amarelada,
Como único bem que me ficou.

Vinde! Corvos, chacais, ladrões de estrada!
Pois dessa mão avaramente adunca
Não haverão de arracar a luz sagrada!

Aves da noite! Asas do horror! Voejai!
Que a luz trêmula e triste como um ai,
A luz de um morto não se apaga nunca!
(Mario Quintana in A rua dos Cataventos.Porto Alegre: Globo, 1940.)

sábado, 13 de junho de 2009

MARIO QUINTANA



"Nasci em Alegrete, em 30 de julho de 1906. Creio que foi a principal coisa que me aconteceu. E agora pedem-me que fale sobre mim mesmo. Bem! Eu sempre achei que toda confissão não transfigurada pela arte é indecente.

...Prefiro citar a opinião dos outros sobre mim. Dizem que sou modesto. Pelo contrário, sou tão orgulhoso que acho que nunca escrevi algo à minha altura. Porque poesia é insatisfação, um anseio de auto-superação. Um poeta satisfeito não satisfaz. Dizem que sou tímido. Nada disso! sou é caladão, introspectivo. Não sei porque sujeitam os introvertidos a tratamentos. Só por não poderem ser chatos como os outros?"
Mario Quintana in Revista Isto É de 14/11/1984